Em audiência, Justiça do Trabalho debate homologação de acordos extrajudiciais
Mais de 30 expositores apresentaram na última semana, no Tribunal Superior do Trabalho, sugestões, preocupações e pontos de vista relativos a uma mudança na legislação trabalhista que passará a valer com a entrada em vigor, em novembro, da Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista): a chamada jurisdição voluntária, ou a possibilidade de a Justiça do Trabalho homologar acordos extrajudiciais.
O tema foi escolhido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) para sua primeira audiência pública, comandada pelo vice-presidente do conselho e do TST, ministro Emmanoel Pereira. “Estamos ajudando a democratizar ainda mais o conselho, imprimindo-lhe mais eficiência ao procurar ouvir pessoas que muito têm a contribuir sobre a matéria”, afirmou o ministro.
A reforma trabalhista criou um novo capítulo na CLT para tratar da matéria (capítulo III-A, artigos 855-B a 855-E), que introduz um mecanismo para a homologação, pelo juiz do Trabalho, das extinções dos contratos a partir de petição conjunta do trabalhador e do empregador, que não poderão ser representados pelo mesmo advogado. No prazo de 15 dias, o juiz deve analisar o acordo, designar audiência se entender necessário e proferir a sentença homologatória.
Na abertura da audiência, o presidente do TST e do CJST, ministro Ives Gandra Martins Filho, observou que tanto o novo Código de Processo Civil quanto a reforma trabalhista preveem a possibilidade de a Justiça do Trabalho homologar acordos firmados extrajudicialmente.
A iniciativa da audiência, assim, visa colher subsídios por parte de todos os que estão diretamente envolvidos com a temática para que o CSJT possa regulamentar algumas normas com a entrada em vigor da reforma trabalhista do ponto de vista dos procedimentos, das estatísticas e de uma orientação geral para toda a Justiça do Trabalho.
Ives Gandra Filho aponta algumas incógnitas em função das novas regras: se vai demandar um trabalho diferenciado dos juízes do trabalho, ou se vai gerar grande quantidade de processos. “Exatamente para que possamos dimensionar o que nos espera é que se faz essa audiência pública”, afirmou.
Preocupações com a jurisdição voluntária
Para o juiz Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a jurisdição voluntária não pode servir para transformar o juiz em “mero homologador de acordo ou carimbador de termos de rescisão”. Segundo ele, há casos, como os que envolvem interesse público, que podem levar à não homologação do acordo.
Para o magistrado, é importante que se construa uma jurisprudência sobre o novo procedimento, em vez de uma normatização imediata. “Talvez melhor do que normatizar seja sempre recomendar, na medida em que diversas ideias surjam e haja uma compreensão dos vários aspectos ligados ao mérito dessas ações de homologação”, afirmou. “Com isso a jurisprudência pode se construir dentro dos padrões e independência técnica que os juízes terão caso a caso.”
A desembargadora Maria Inês Correa de Cerqueira César Targa, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), que tem apresentado excelentes resultados em conciliação, defendeu a normatização da jurisdição voluntária e afirmou que a alteração legislativa vem com 33 anos de atraso.
Ela defendeu que haja um procedimento padrão para as homologações dos acordos extrajudiciais e entende que seria adequado que os tribunais emitissem recomendações nesse sentido. Quanto ao receio de falsos acordos, lembrou que a todo momento a Justiça do Trabalho homologa acordos vindos das famosas “casadinhas” — ações falsas propostas quando já havia acordos prévios.
Giovane Brzostek, juiz do TRT da 2ª Região (SP) e coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc-JT) da zona leste paulistana observou que, apesar das diferentes formas de atuação entre os atuais centros de conciliação e o papel do juiz na jurisdição voluntária, as duas abordagens têm em comum “o fomento da cultura do entendimento, da eficiência da solução, da pacificação saudável, da economia de recursos e valorização das soluções conciliatórias como forma de entrega de prestação jurisdicional”.
Maior flexibilidade
Para o advogado Emmanoel Campelo, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, onde atuou na área de jurisdição voluntária e de aplicação de métodos alternativos de solução de conflitos, a reforma trabalhista trouxe uma abertura e uma flexibilidade maiores para a aplicação desses métodos, que, a seu ver, representam não só uma evolução procedimental na Justiça do Trabalho.
Campelo afirmou que, em função do princípio da equivalência, ou da paridade de armas entre os entes de direito coletivo do trabalho, “muito pouco sentido faz a intervenção da Justiça do Trabalho, a não ser em casos específicos” — como os que envolvem serviços essenciais e há necessidade de preservação da ordem pública, que só o Judiciário tem condições de fazer.
No caso dos dissídios individuais, o advogado acredita que continuará havendo a prevalência dos princípios da proteção e da hipossuficiência característicos da Justiça do Trabalho, e a mediação privada poderia ser adequada aos casos em que há a possibilidade de negociação direta, como para determinadas categorias. “Aí caberia ao TST e ao CSJT chegar a um modelo que adote salvaguardas para preservar a proteção ao trabalhador característica da JT”, concluiu.
O advogado Mario Sérgio Mello Ferreira, representante da Associação Brasileira de Mediação, Arbitragem e Conciliação (Abramac), falou sobre o trabalho das comissões de arbitragem. “Essa é uma oportunidade para voltarmos a conciliar, e temos que criar uma forma de conviver. Não há mais sentido de que só o Judiciário possa conciliar”, afirmou. A expositora da Vamos Conciliar, Karina Vasconcelos, apresentou o método da mediação privada no evento. Segundo ela, o procedimento da mediação trabalhista é presencial, sendo imprescindível a presença do advogado na sessão.
Luiz Carlos Amorim Robortella, advogado do setor financeiro, falou sobre segurança jurídica e o aumento da litigiosidade. Para ele, “o melhor é a justiça pelo consenso”, mas acredita que o julgador não pode ser também mediador.
O advogado Nilton da Silva Correia, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), fez um contraponto, ponderando que, diferentemente da esfera trabalhista, a jurisdição voluntária prevista no Código Civil de 2015 (capítulo XV) “não tem partes, tem interessados. Não tem lide, não tem pretensão resistida e não tem conflito”. É, segundo ele, uma jurisdição atípica que prevê a administração pública de interesses privados, e, não sendo tipicamente jurisdicional, não forma coisa julgada material.
Estudo sistematizado
A professora Gabriela Neves Delgado apresentou proposta do grupo de pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (da qual é vice-diretora), que estudou de forma sistematizada o assunto para apresentar sugestões. Gabriela demarcou que a jurisdição contenciosa é necessária, pois materializa a garantia constitucional da tutela efetiva de direitos trabalhistas, enquanto a jurisdição voluntária é composta de atividades que a lei atribui à magistratura, mas que podem ser delegadas a outros órgãos do Estado ou aos sindicatos, por exemplo. Trata-se, segundo ela, de um modelo restrito e acessório à jurisdição contenciosa.
Entre os pontos propostos para reflexão, a professora citou a definição do que pode ser homologado mediante acordo. A seu ver, direitos de personalidade ou que versem sobre patamar civilizatório mínimo ao trabalhador não estão dentro da esfera dos acordos extrajudiciais, assim como as questões de interesse público.
Quanto ao controle das lides simuladas, algumas medidas foram apontadas para que o juiz do Trabalho faça os controles necessários, entre elas o rigor na verificação de documentos e do contexto fático. “Se houver dúvida razoável de existência ou não de vínculo de emprego, o juiz deverá determinar automaticamente audiência trabalhista”, defendeu.
Para Gabriela Delgado, a jurisdição voluntária só cumprirá sua função social “se observar rigorosamente as diretrizes constitucionais de proteção ao trabalho humano, por meio da materialização dos direitos fundamentais, dos princípios da redução do retrocesso e da progressividade social e a fixação de limites constitucionais legais”. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.