Décima Primeira Câmara decide que instituição financeira terá de reintegrar trabalhador com deficiência
A 11ª Câmara deu provimento em parte ao recurso do reclamante, funcionário de uma empresa associada a um importante grupo financeiro, e afastou a extinção do feito sem julgamento do mérito, determinada pelo Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, e ainda declarou nulo o rompimento do contrato de trabalho, condenando assim a reclamada à reintegração do trabalhador no emprego com o mesmo salário acrescido dos reajustes legais. A determinação, a ser executada num prazo de 15 dias após a publicação do acórdão, prevê pena de multa diária de R$ 300 revertida em favor do reclamante, em caso de descumprimento. O acórdão também deferiu o pagamento dos salários devidos desde a dispensa até a reintegração do autor, inclusive FGTS (8%), férias 1/3, décimo terceiro salário, bem como demais vantagens a que faria jus o reclamante.
Segundo constou dos autos, o Juízo de primeiro grau extinguiu sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VIII, do CPC, o pedido do reclamante de reintegração no antigo emprego, por entender que o reclamante já está trabalhando em outra empresa, conforme ele mesmo informou. Para o trabalhador, “o fato de trabalhar em outra empresa não implica desistência da ação”. Ele afirma que é uma pessoa com deficiência, motivo pelo qual “a validade da sua dispensa está condicionada à comprovação, pela empregadora, da admissão de outra pessoa com deficiência (art. 93 da Lei 8.213/1991)”.
Nesse sentido, como a empresa não comprovou a contratação de outro funcionário, o reclamante pretende o reconhecimento da nulidade da dispensa e a reintegração no emprego. Ele não nega estar trabalhando, mas lembra que “ficou aproximadamente um ano sem trabalho, por violação da legislação pela recorrida”. Pediu também a condenação da ré ao pagamento de indenização pelo período em que permaneceu desempregado.
O relator do acórdão, desembargador João Batista Martins César, concordou com a indignação do trabalhador, e disse coadunar “inteiramente com as razões lançadas pelo
procurador regional do trabalho Claude Henri Appy”, que destacou entre outros o fato de a empresa, com mais de cem empregados em seu estabelecimento, dever, segundo preconiza o artigo 93 da lei de nº 8.213 de 1991, “compor em seu quadro de empregados, no mínimo, 2% de pessoas deficientes”, e “se o autor do presente caso fazia parte desses 2% e foi dispensado, caberia à reclamada a contratação de outro empregado para restabelecer o que determina a legislação (art. 93, §1º), o que não ocorreu”, concluindo, assim, que “não resta dúvidas de que o reclamante tem direito à reintegração, a fim de fazer com que a reclamada cumpra tal imposição”.
O acórdão destacou também que o fato de o reclamante estar trabalhando “não é impossibilidade para sua reintegração, já que em caso de deferimento este poderá optar por um dos dois empregos”. Além disso, o autor tem direito à indenização pelo período em que fora dispensado, “compreendido do momento da dispensa até sua vinculação a outro empregador”, afirmou o colegiado.
O colegiado salientou que o novo emprego assumido pelo autor “não tem o condão de afetar a relação empregatícia havida com outro empregador”. Em primeiro lugar, “porque não há impedimento na norma legal para a existência concomitante de dois contratos de trabalho, desde que sejam compatíveis os horários”, e em segundo lugar, “porque a obtenção de novo emprego ou a possível recusa do reclamante a retornar ao trabalho não liberam a empresa do cumprimento do estabelecido no art. 93 da Lei nº 8.213/91, notadamente em razão dos princípios da indisponibilidade e irrenunciabilidade de direitos, informadores do Direito do Trabalho (artigos 9º, 444 e 468, da CLT)”. Segundo o acórdão, “trata-se de norma de ordem pública que confere garantia indireta de emprego ao trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado, condicionando a dispensa imotivada à contratação de outro empregado em condições semelhantes, ou seja, resguarda o direito do primeiro de permanecer no emprego, até que satisfeita essa exigência, configurando verdadeira interdição ao poder potestativo de resilição do empregado”, concluiu o acórdão.
Segundo consta dos autos, o reclamante foi admitido pela reclamada em 20 de julho de 2009, como auxiliar de produção, passando a montador em fevereiro de 2012 e a montador de equipamento em outubro de 2012, função exercida até 2 de setembro de 2013, quando foi dispensado sem justa causa. Recebeu como última remuneração R$1.643,40.
A empresa reconheceu que o reclamante fazia parte da cota prevista no art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91, mas alegou que “passou por expressiva alteração em seu objeto social no ano de 2013, deixando de atuar na fabricação de computadores ou no segmento de automação bancária” e que no final de setembro/2013, o setor de computação (unidade de fábrica em que eram produzidos computadores pessoais, desktops e notebook), diga-se, área de atuação do reclamante, foi desativado com a dispensa dos empregados do setor, dentre eles o reclamante”. A empresa afirmou também que a dispensa do funcionário se deu, assim, em razão do encerramento das atividades de fabricação de computação, “não havendo qualquer nulidade na rescisão e menos ainda obrigatoriedade de comprovar que realizou contratação substitutiva de PCD, pois esta condição somente se aplicaria às empresas obrigadas por lei a manter a cota de contratação definida na legislação previdenciária, o que não é o caso da reclamada”, que conta agora com 65 empregados.
O colegiado não concordou com a tese de defesa da reclamada e ressaltou que “às pessoas com deficiência é destinado um arcabouço jurídico (nacional e internacional) para lhes garantir trabalho e emprego com a observância de suas condições peculiares”, e garantiu que “a legislação brasileira está em consonância com as normativas internacionais”. O acórdão salientou que “o direito ao trabalho (a livre escolha do emprego, condições justas e favoráveis de trabalho) é, portanto, um direito fundamental do homem”, e “os Estados devem se esforçar para garanti-lo com medidas progressivas, bem como pelo ensino e a educação, de modo que se torne universal”.
Para o colegiado, esse “arcabouço jurídico diferenciado disponível para a proteção das pessoas com deficiência deve ser interpretado, sempre e sem exceção, de modo a conferir máxima efetividade aos Fundamentos da República Federativa do Brasil, mormente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho” e esse direito “somente pode ser efetivado pelo reconhecimento de que todos os trabalhos, independentemente de quem os exerça, são imprescindíveis para o atingimento da justiça social”.
O colegiado também criticou o “nefasto quadro pintado pela grande maioria das grandes empresas que empregam pessoas com deficiência”, cuja “mentalidade, não raro, é aquela no sentido de que basta cumprir a cota imposta pela lei para que a obrigação da empresa esteja cumprida”. A decisão colegiada lembrou também que “apenas empregar a pessoa com deficiência é passo muito pequeno rumo à sustentabilidade social”, e que é “imprescindível que todas as condições necessárias para a realização de seu labor em situação de decência e dignidade sejam asseguradas e implementadas”. Pelo menos esse é o espírito da Lei n. 8.213/91, que “não teve a preocupação de tão-somente garantir postos de trabalho para as pessoas com deficiência”, mas de garantir “o emprego dessas pessoas, até que houvesse a contratação de trabalhador também beneficiado pela referida lei”.
No caso dos autos, o acórdão destacou que “a reclamada não comprovou que a exigência foi cumprida” e que, ao contrário, “admitiu que não cumpre a cota mínima prevista no artigo 93 da Lei 8.213/91, argumentando que encerrou as atividades de fabricação de computadores e de serviços de automação e conta hoje com menos de 100 empregados”. Para o colegiado, essa afirmação “beira a má-fé”, uma vez que é sabido que a empresa integra um dos maiores grupos privados no País, “que conta com centenas de empregados”.
Por tudo isso, o colegiado afirmou que “o direito à reintegração decorre do descumprimento, pelo empregador, de condição imposta em lei” e que “a jurisprudência desta Corte considera nula a dispensa imotivada de empregado portador de deficiência sem a contratação de substituto em condições semelhantes, ante os termos do art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91″.
Por fim, o colegiado reiterou que “é absolutamente inerente o fato de o reclamante, atingido pela ilegalidade cometida por seu anterior empregador, ter obtido novo emprego para assegurar a sua subsistência” e que, “indeferir o pedido de reintegração ou limitar o período e a correspondente indenização à admissão no novo emprego equivaleria a premiar a conduta ilícita da reclamada”. (Processo 0010650-48.2015.5.15.0096)
Ademar Lopes Junior