Uso de princípio penal reduz valor de autuações fiscais
O uso de um princípio do direito penal na área tributária tem beneficiado contribuintes que recorrem ao Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo – a segunda instância da esfera administrativa. Quando os juízes do tribunal acatam o uso da teoria da absorção, a acusação fiscal de natureza mais grave absorve a de grau mais leve. Na prática, consegue-se reduzir o valor das autuações fiscais.
Nos julgamentos de autos baseados em operações com fornecedores inidôneos, as decisões da Câmara Superior do TIT são unânimes no cancelamento de uma das penalidades. É o caso, por exemplo, de contribuinte surpreendido por auto de infração por ter se apropriado de créditos do ICMS decorrentes de negócios com fornecedores irregulares.
A interconexão dos fatos é um dos requisitos básicos para que a teoria leve ao cancelamento de infrações tributárias. “O tema vem ganhando destaque na jurisprudência em matéria tributária das Cortes administrativas e nos tribunais superiores em vista dos valores exorbitantes que as multas por descumprimento de obrigação acessória atingem. Muitas vezes, equivale ou é até superior ao principal, cobrado em tributos”, afirma o advogado Fernando Zilveti, ex-juiz do TIT.
Num dos processos julgados pela Câmara Superior (4028301-0), uma indústria e comércio de fios e cabos elétricos, representada pela Tavano Maier Advogados, conseguiu reduzir consideravelmente um auto de infração no valor total de R$ 2,85 milhões por ter comprado matéria-prima de empresa declarada inidônea.
Em 2013, os fiscais apontaram duas supostas infrações. Uma delas pelo uso indevido de créditos de ICMS decorrentes da entrada das matérias-primas com notas fiscais consideradas irregulares – o que resultou na cobrança de multa de 35% sobre o valor das operações (R$ 1,36 milhão). A outra pelo não reconhecimento da documentação fiscal apresentada sobre a entrega, remessa, transporte, recebimento e estocagem da mercadoria, com a exigência de multa de 50% sobre o valor das operações (R$ 1,49 milhão).
No recurso apresentado contra a autuação, a empresa alegou boa-fé ao registrar as notas fiscais das matérias-primas no seu livro de entrada e abordou a teoria da absorção para pedir o afastamento da multa de 50%. Em primeira instância, a Delegacia Tributária de Julgamento de Campinas acolheu a teoria da absorção, cancelando integralmente a multa. A decisão foi confirmada pela 4ª Câmara Julgadora do TIT e mantida pela Câmara Superior.
Em seu voto, o juiz relator Eduardo Soares de Melo afirma ser “inconteste” que o crédito considerado indevido decorre do recebimento de mercadorias acompanhadas de documentação fiscal considerada irregular. “Por se tratar de infrações simultâneas decorrentes da mesma conduta, é imperioso que a acusação fiscal mais grave, ou seja, aquela cujo valor jurídico tutelado se mostra de maior relevância, como é o caso do creditamento indevido do ICMS, absorva a acusação menos grave – o recebimento e estocagem de mercadoria com documentação considerada inidônea”, diz.
Em outro julgado (nº 4063 606-9), o juiz relator Gianpaulo Camilo Dringoli rejeitou o recurso especial da Fazenda paulista, que pretendia reformar a decisão da primeira instância. Acatada a teoria da absorção, os juízes do tribunal decidiram cancelar a multa referente à entrega de obrigação acessória com dados incorretos. A penalidade foi absorvida pela acusação de creditamento indevido do imposto.
Dringoli afirma, em seu voto, que “recursos fazendários sobre a matéria relativa à teoria da consunção [absorção], desenvolvida no direito penal, não tem sido acolhidos por essa Câmara Superior, desde há muito tempo. Pessoalmente, seria favorável ao pleito fazendário. Entretanto, essa Câmara Superior não tem mais sequer conhecido recursos que desafiem entendimento consolidado na jurisprudência administrativa, por significativa maioria”.
De acordo com o advogado Eduardo Soares de Melo, do escritório Honda, Teixeira, Araujo, Rocha e juiz da Câmara Superior do TIT, é expressivo o número de autos de infração discutidos na esfera administrativa que envolvem a questão de fornecedores irregulares o que, na sua visão, torna mais relevante a aplicação da absorção como forma de reduzir o valor das multas. “Mas ainda são poucos os advogados que mencionam a necessidade de se aplicar a teoria”, diz.
Para o advogado e ex-juiz do tribunal, Adolpho Bergamini, do escritório Bergamini & Collucci Advogados, considerando o volume de autuações discutidas na esfera administrativa, a teoria poderia ser expandida para mais processos. “Desde que as ilicitudes sejam conexas, é perfeitamente viável a sua aplicação”, afirma.
Sílvia Pimentel – De São Paulo