STF julgará IR sobre correção de valores devolvidos pelo Fisco
O Supremo Tribunal Federal (STF) colocará fim a uma discussão travada há quase duas décadas entre contribuintes e a Receita Federal. Os ministros decidiram julgar, em repercussão geral, se a União pode tributar o ganho que as empresas têm com a correção pela Selic – nos casos de liberação de depósito judicial ou restituição de impostos que foram pagos a mais (a chamada repetição de indébito).
As discussões envolvem a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. Há ações contra a tributação da Selic, por exemplo, movidas pela CEG, distribuidora de gás do Rio de Janeiro, e por grandes do vestuário, como Hering, Riachuelo e Renner, além de mineradoras e empresas do setor de energia.
Um levantamento feito pelo tributarista Daniel Ávila Thiers Vieira, do Locatelli Advogados, mostra o impacto para o contribuinte. Ele compara quanto do valor a ser recuperado corresponde ao tributo (principal) e quanto na verdade é a Selic incidente sobre esse montante com o passar do tempo (levando em conta os cinco anos anteriores à ação, prazo limite para a recuperação dos pagamentos).
Um processo que teve início em 2010, por exemplo, retroage até 2005. Na hipótese de R$ 1 milhão a ser recuperado, 58% representariam o valor principal e 42% seriam a correção pela Selic se a ação fosse julgada neste ano. Nesse caso, aplicando IRPJ e CSLL sobre a quantia gerada pela taxa, seriam descontados 14% do valor total que o contribuinte teria a receber. Ou seja, o empresário deixaria aproximadamente R$ 140 mil na mesa para o governo.
O exemplo vale para as empresas enquadradas no regime do lucro real (aquelas que faturam acima de R$ 78 milhões por ano). A alíquota do Imposto de Renda, em geral, é de 25% e a da CSLL 9%.
O advogado tem outros comparativos. Um processo iniciado no começo do ano, por exemplo, teria 77% de principal e 23% de Selic. Já se a ação for de janeiro de 2016, 72% seriam o principal e 28% Selic. Se levar em conta o ano de 2012, a diferença aumenta, são 63% de principal e 37% de correção pela Selic.
Quanto mais antiga for a ação, consequentemente, maior será o peso da Selic no volume que o contribuinte tem a recuperar e mais alto será também o desconto. Existem muitas empresas, segundo o advogado, com processos tributários tramitando há mais de 15 anos no Judiciário.
Vieira diz que o estudo foi motivado pela demanda do mercado. “Os diretores financeiros das empresas precisam de números para tomar decisões e discutir em comitês”, afirma o advogado. “As teses jurídicas são importantes, mas precisam expressar a materialidade financeira para a orientar a tomada de decisões”, acrescenta.
O caso que está no STF envolve uma siderúrgica com sede no Sul do país (RE 1063187). Os ministros decidiram, por meio do Plenário Virtual no fim do ano passado, que a discussão tem caráter constitucional e que o caso será analisado em repercussão geral. Não há data prevista ainda para o julgamento.
Há divergência, sobre esse tema, porque a tributação não está expressamente prevista em lei e os contribuintes entendem a Selic como uma mera correção de valores pagos indevidamente – seja por meio de depósito judicial ou diretamente à União. Já a Receita Federal interpreta que a correção gera acréscimo de capital e, por esse motivo, deve ser tributada.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou tanto de forma favorável como contrária ao contribuinte. A 1ª Seção, em 2007 (REsp nº 436.302), entendeu que a Selic tem dois componentes: recomposição do poder de compra, que seria o fator inflacionário, e juros moratórios, como uma indenização por a empresa não ter disponíveis os recursos no período.
O voto condutor, nesse recurso, foi o do ministro Luiz Fux, que na época estava no STJ – fator que, para advogados, pode beneficiar os contribuintes no julgamento do STF. Em 2013, porém, a mesma 1ª Seção do STJ permitiu a tributação da Selic (REsp nº 1.138.695).
Os ministros entenderam, de forma unânime nessa decisão mais recente, que os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais têm natureza remuneratória. Consideraram ainda que os incidentes na repetição de indébito – aquilo que já foi pago à União de forma indevida e será devolvido – tratam-se de juros moratórios e que, pela sua natureza de lucro cessante (a reparação do que renderia ao contribuinte se o dinheiro estivesse em seu caixa), estariam dentro da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.
Sandro Machado dos Reis, do Bichara Advogados, pondera, no entanto, que os ministros do STJ analisaram apenas a questão infraconstitucional e caberá ao STF decidir se a tributação está em acordo com o que estabelece a Constituição. O advogado não vê, nesse contexto, a possibilidade de tributar ganhos com a Selic.
Ele entende como valores de natureza indenizatória, que não representam acréscimo patrimonial para o contribuinte. “Ainda mais em um contexto de depósito judicial. Esses recursos ficam à disposição da União durante toda a tramitação do processo. Só voltam para o caixa do contribuinte quando ele ganha e a decisão transita em julgado”, diz.
Uma decisão favorável aos contribuintes no STF poderia ter efeito cascata sobre outras discussões que tratam sobre juros de mora, chama a atenção a advogada Ariane Guimarães, do Mattos Filho. Ela cita, por exemplo, os contratos privados. Caso de uma empresa de cobrança que precisa ajuizar ação contra consumidores inadimplentes – situação em que se cobra juros pela demora do pagamento.
“Tem que tributar essa receita nova ou não? Esse caso que será julgado no STF, então, tem relevância porque, além de resolver a tributação da taxa Selic, terá impacto também em outras questões”, diz Ariane.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende, no entanto, que os juros Selic, nos termos da legislação tributária vigente, constituem receitas financeiras e se destinam a remunerar o capital, como qualquer outra aplicação financeira. “Quer recebidos em decorrência de repetição de indébito, restituição ou compensação, quer decorrentes de levantamentos de depósitos judiciais”, consta em nota encaminhada ao Valor.
O entendimento, segundo a PGFN, é que representam acréscimo patrimonial e, por esse motivo, devem ser submetidos à tributação do IRPJ e da CSLL.
As empresas citadas foram procuradas pelo Valor, mas optaram por não se manifestar sobre o assunto.
Joice Bacelo – São Paulo