Empregada gestante do MG recebe indenização de assédio moral por segregação no trabalho

A Justiça do Trabalho declarou a rescisão indireta do contrato entre uma trabalhadora e uma empresa de call center e telemarketing, porque a ex-empregada sofreu assédio moral, inclusive sendo segregada no ambiente de trabalho em função da gravidez. Na rescisão indireta, prevista no artigo 483 da CLT, o empregado é quem toma a iniciativa de rescindir o contrato de trabalho, alegando falta grave do empregador. Se acatada, o patrão tem que pagar as verbas rescisórias devidas na dispensa sem justa causa.

A decisão foi dos magistrados da Décima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), ao examinarem recurso da empregada contra sentença oriunda da Vara do Trabalho de Pirapora (MG). Além das verbas rescisórias e direitos devidos como se a dispensa fosse sem justa causa, a condenação envolveu o pagamento de indenização da estabilidade provisória da gestante e reparação por dano extrapatrimonial de R$ 5 mil. O valor em questão foi pedido pela própria empregada.

Gravidez

A mulher alegou que foi perseguida pela empresa após engravidar. Contou que faltou ao serviço para acompanhamento da gestação, apresentando atestados médicos, o que fez com que as vendas diminuíssem. Na época, foi encaminhada para o “quarto quartil” de sua equipe. Explicou que, de acordo com as exigências da própria empresa, as equipes são organizadas em “quartil”, tratando-se o quarto destinado aos piores empregados.

Ainda conforme denunciou, não tinha autonomia para ir ao banheiro e para beber água. Em abril de 2019, foi criada uma equipe para reunir e perseguir os funcionários que “tinham problemas em atingir as metas da empresa”, o que incluía grávidas e lactantes. Como sua equipe era de baixa produtividade, corria o risco de ser dispensada por justa causa. Em razão do assédio moral sofrido, perdeu o interesse em permanecer na empresa. A autora se disse estressada, ansiosa e chorando muito.

Provas

Na decisão de primeiro grau, as pretensões foram rejeitadas, ao fundamento de falta de provas. Mas, ao apreciar o recurso da trabalhadora, a desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro discordou da análise feita pelo juízo sentenciante e considerou válida a utilização da prova emprestada. Isso porque as próprias partes convencionaram que as informações prestadas se aplicariam ao contrato de trabalho da autora. Após analisar os depoimentos, a relatora ficou convencida da veracidade da versão apresentada pela trabalhadora.

Em seu voto, reconheceu que havia segregação de empregados em “quartis”, classificados de primeiro ao quarto, de acordo com a produtividade do empregado. Uma testemunha, indicada pela ré, revelou que sua equipe se chamava “bomba ou explosão”, sendo composta por pessoas de “baixa produtividade”. Para a magistrada, o nome da equipe já diz tudo.

Foi extraído do depoimento que as reuniões eram coletivas e os resultados expostos. Os superiores ameaçavam dizendo: “emprego está difícil atualmente”.

Na visão da relatora, ficou evidente o tratamento desrespeitoso e rigoroso dos representantes da ré quando o empregado não atingisse as metas estipuladas. Testemunhas se referiram também à aplicação de advertências e orientação para que empregados passassem no RH e pedissem demissão, havendo ameaças de dispensa por justa causa.

Na decisão, a relatora explicou ser característica da relação de emprego o estado de subordinação jurídica do trabalhador, que se expressa, entre outros fatores, por meio do poder de direção e comando do empregador. Mas, conforme ponderou, os limites legais e éticos do contrato devem ser observados.

No caso, identificou o chamado “assédio moral organizacional”. Trata-se da situação em que o empregador promove abuso de seu direito de organizar os meios de produção, passando a cobrar o aumento de produtividade de maneira inadequada. O fator contribui para um ambiente propício à prática do assédio moral.

Ainda com base na prova, a desembargadora reconheceu que a autora não dispunha de autonomia nem sequer para ir ao banheiro e beber água.

Para a magistrada, os atos praticados pela empregadora configuram faltas graves, hábeis a autorizar a extinção do contrato de trabalho. É que caracterizam a quebra da confiança entre as partes capaz de impedir a continuidade da relação de emprego. O artigo 483, “b” e “d”, da CLT, que trata da rescisão indireta, foi aplicado ao caso, conforme destacou a julgadora, decidindo julgar favoravelmente o recurso para declarar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Estabilidade provisória da gestante

A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme assegura o artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República. Para a sua efetivação, exige-se, tão-somente, a confirmação da gravidez, de forma objetiva, ou seja, que a concepção tenha ocorrido no curso do contrato de trabalho, conforme dispõe a Súmula 244 do TST.

Conforme observou a relatora, não há incompatibilidade entre os pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho e de indenização pelo período de estabilidade correspondente. Ela ponderou que, quando se trata da proteção à maternidade e à criança, fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à vida (artigo 1º, inciso III, e 5º, da CF/88), a interpretação deve ser no sentido de se conferir maior efetividade aos institutos, possibilitando o desempenho concreto da função social idealizada pelo Constituinte, considerando tratar-se de direitos fundamentais.

No caso, a trabalhadora recebeu salário-maternidade no período de 4/3/19 a 1/7/19, faltando ao serviço nos dias 2, 3 e 4/7/19, com rescisão contratual reconhecida em 4/7/19, com projeção do aviso-prévio para 6/8/19. A ré foi condenada a pagar a indenização da estabilidade provisória, nos valores correspondentes à remuneração devida, como se a empregada estivesse na ativa (exceto horas extras), desde o primeiro dia após o término do aviso-prévio até o final do período de estabilidade (ou seja, até cinco meses após o parto), incluídos férias 1/3, 13º salário e FGTS.

Dano extrapatrimonial

Para a relatora, não há dúvidas de que os atos ilícitos da ré foram capazes de afetar o estado psicológico da autora, seja pela dor, sentimento de humilhação, intranquilidade ou qualquer outro constrangimento capaz de repercutir na esfera da sua autoestima, sobretudo tendo em vista o estado de gravidez.

A postura da ré foi considerada contrária aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da propriedade. Segundo a relatora, a honra, a imagem, a autoestima, a intimidade, a liberdade de ação, a saúde, entre outros, são bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico (artigos 223-C da CLT, 5º, inciso X, da Constituição, 186 do CC).

O valor foi limitado ao pedido na inicial: R$ 5 mil. A decisão levou em conta as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a ausência de retratação espontânea da ré, a culpa no ocorrido e a situação econômica das partes. Foi registrado que o capital social da ré é de R$ 1 milhão. Os julgadores da Turma acompanharam a relatora.

 

Fonte: https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/imprensa

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