Desculpe o transtorno, preciso falar das leis trabalhistas
Nos últimos dias, acompanhamos notícias de decisões do STF no sentido de que o acordo entre trabalhadores poderia, dependendo do caso, se sobrepor à legislação que, consoante ressabido, tem um tom paternalista. Para alguns, seria o sinal de que uma reforma da legislação trabalhista, ou da interpretação da legislação, está em curso. Ontem, o TST deu sua opinião sobre o caso. Veja nas próximas notas.
TST – Acordo coletivo
O TST realizou julgamento em que analisou cláusula de um acordo coletivo que limitou as horas de deslocamento (in itinere), conferindo-lhes natureza indenizatória, ou seja, sem reflexos nas outras verbas. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, negou provimento aos embargos da empresa com base em seis fundamentos. Foram eles:
1 – A autonomia negocial coletiva não é absoluta.
2 – A autonomia negocial absoluta não altera a natureza jurídica das parcelas.
3 – Os precedentes do STF comportam a técnica do “distinguishing” e não incidem no caso concreto.
4 – A jornada é direito indisponível pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
5 – A jornada é direito indisponível pelos princípios da saúde e da segurança.
6 – A flexibilização das horas se fez sem a correspondente vantagem indenizatória.
De um colegiado de 26 ministros, as teses (1) e (3) foram as majoritárias, com 19 votos. De modo que negou-se provimento aos embargos. Ficaram inteiramente vencidos os ministros Ives Gandra (presidente), Maria Cristina Peduzzi, Barros Levenhagen e Dora Maria da Costa, os quais consideraram a cláusula válida.
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Calma com os precedentes
Há mais. O pleno do TST se manifestou especialmente sobre dois precedentes do STF que tratam da matéria :
- RE 590.415, julgado pelo plenário com repercussão geral, relator ministro Barroso, em que se discutiu a adesão a PDV mediante renúncia genérica de direitos ;
- RE 895.759, que teve decisão monocrática do ministro Teori, que fez prevalecer acordo coletivo de trabalho sobre horas in itinere por concluir que assegurava aos trabalhadores outras vantagens para compensar a supressão.
Os ministros fizeram diferentes ponderações acerca dos casos julgados no Supremo, tais como o fato de que o RE 590.415 tratou apenas de PDV e que a decisão monocrática do ministro Teori (RE 895.759) identificou a concessão de outras vantagens, o que a maioria do TST não entendeu configurado no processo de ontem.
O ministro Mauricio Godinho Delgado deixou claro que não é possível concluir na decisão do ministro Teori que “o STF tenha autorizado que a negociação coletiva trabalhista passe a reduzir direitos imperativos oriundos da Constituição da República, das leis brasileiras e das convenções internacionais radicadas no Brasil”.
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Cruzada
Um dos votos mais extensos ontem foi o do ministro José Roberto Freire Pimenta, que falou da tentativa da imprensa de noticiar o caso como “possível reforma trabalhista pela via jurisdicional”. Fiel à jurisprudência da Casa e, nesse sentido, acompanhando o relator, o ministro afirmou que “esse princípio da prevalência do negociado sobre o legislado talvez possa ser alcançado pela via legislativa”.
“Se há instância que deve se debruçar é o Poder Legislativo. Nós, magistrados, não fomos eleitos. Não temos legitimidade para consagrar pela via judicial algo que deve ser consagrado pela via legislativa e assumir a responsabilidade histórica por essa iniciativa.”
Sendo mais direto, afirmou ao ministro Ives Gandra, presidente e autor do voto divergente : “Se alguma radicalidade existiu, no bom sentido, de discutir a raiz do problema, foi no voto de V. Exa. V. Exa que está realmente em verdadeira cruzada para revisar profundamente até aqui a jurisprudência pacífica do Tribunal sobre a matéria. E se é assim, cabe a nós, que respeitosamente divergimos, manifestar nossos fundamentos em sentido contrário.” Terminou o voto: “Negociação coletiva sim, mas não para renunciar, e mesmo para transacionar sobre direitos fundamentais.”
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Mudanças no horizonte
O ministro Douglas Alencar Rodrigues também seguiu as teses majoritárias, mas, com certo ceticismo, alertou: “Se nós não avançarmos em alguma medida, com muita cautela, exigindo dos sindicatos representatividade, analisando o conteúdo das disposições legais ali transacionadas, se são ou não de fato disponíveis, nós seremos atropelados por essa linha jurisprudencial que o Supremo Tribunal parece abraçar.”
Temperatura
O presidente do TST, ministro Ives Gandra, quis certamente colocar um termômetro no plenário. Por enquanto, no ponto de vista dele, a febre ainda não cedeu. Elegantemente, no entanto, ao encerrar o julgamento realizado ontem, ressaltou tratar de caso “histórico”, em que o pleno do TST fixou “vários parâmetros para a negociação coletiva que vão nos balizar aqui no TST”.
Exemplo
Vale destacar o esmero com que o Tribunal se debruçou sobre a causa : de fato, a sessão de julgamento foi exaustiva, e os ministros fizeram questão de esquadrinhar, cada um a sua maneira, os delicados e diferentes aspectos dos Direitos e princípios em pauta. Independentemente da tese vencedora, ficou evidente no raciocínio dos integrantes do Tribunal, todos com respaldo legal, o cuidado com a proteção dos trabalhadores. E, diga-se de passagem, os debates transcorreram com a maior cordialidade e coleguismo possível, sem uma migalha sequer de acirramento de ânimos. Em verdade, um exemplo de julgado.