NJ Especial: Namoro no trabalho dá justa causa?
No filme brasileiro Beijo 2348/72, baseado em processo real, Dorival (Chiquinho Brandão) beija a colega Catarina (Maitê Proença), durante o horário de trabalho. Resultado: os dois são imediatamente dispensados por justa causa. Na história do diretor Walter Rogério, a rápida e cruel punição teve um dedo do enciumado supervisor Alvarino (Ary Fontoura), que assediava sexualmente Catarina. A partir daí, trava-se uma interessante batalha judicial, na qual o rapaz busca uma reparação contra o que considera uma injustiça cometida pela empresa.
Em defesa, o advogado da empregadora (Antonio Fagundes) alegou que “à empresa cumpre prezar pela moralidade no local de trabalho, sob pena da enfrentar justa indignação dos pais e maridos das funcionárias que lá trabalham. Lascivo ou não, atentatório ou não, qualquer que seja a sua natureza, o beijo em local e hora de trabalho, não pode ser admitido. Para tudo, há hora e há lugar”.
Instância após instância a questão do beijo no local de trabalho vai sendo debatida, com interessantes argumentos pró e contra, até que chega ao Tribunal Superior do Trabalho. O resultado? Bom, com o perdão pelo “spoiler”, a decisão final do Ministro do TST (Walmor Chagas) é que: “Não constitui um ato atentatório à moral o beijo. … Porque terá sido despedido o empregado? Por causa do beijo em si, ou por que o beijo, segundo o velho autor mineiro, é falta de higiene? … a espécie não está prevista na lei, e muito menos no regulamento da empresa. O reclamante, se não é primário na prática de beijo, o é pelo menos em qualquer falta de natureza trabalhista. Estamos com o Regional, inexiste falta grave”. (Link para o filme no final)
Se aqui a arte imita a vida, inspirada que é em fatos reais, a vida tem, cada vez mais, imitado de volta a arte, pois casos como este têm se repetido, com alguma frequência, nos tribunais trabalhistas por todo o País.
Em dois casos bastante divulgados pela imprensa nos últimos tempos, grandes empresas foram condenadas pelo Tribunal Superior do Trabalho-TST por dispensarem por justa causa empregados que mantinham relacionamento amoroso no ambiente de trabalho. Os argumentos apresentados pelas empregadoras foram de que os empregados teriam praticado falta grave ao descumprir orientações impostas em normas internas. Em ambos os casos, adotou-se entendimento de que a justa causa não poderia ser aplicada, sendo devidas aos trabalhadores injustamente dispensados indenizações por danos morais.
Nas decisões de origem, os regulamentos proibitivos foram reputados inconstitucionais, por ferir em demasia a liberdade pessoal e os direitos de personalidade do empregado. Quando muito, a violação à norma empresarial poderia ensejar punições mais brandas, como advertências, mas não a justa causa.
Em um dos casos, julgados pela 2ª Turma do TST, um operador de supermercado do Walmart começou a namorar uma colega do setor de segurança, com quem passou, mais tarde, a manter união estável. Ao descobrir a relação, a empresa abriu processo administrativo e demitiu os dois no mesmo dia, com base em norma que proíbe os integrantes do setor de segurança de ter relacionamento amoroso com qualquer empregado da empresa ou unidade sob a qual tenha responsabilidade. Para o ministro José Roberto Freire Pimenta, redator do acórdão, houve “invasão da intimidade e do patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de trabalho”. A empresa Walmart foi condenada a pagar indenização por dano moral de R$ 30 mil reais a cada um dos empregados envolvidos.
No outro julgamento, a condenação, desta vez contra as lojas Renner, foi de R$39 mil, prevalecendo o entendimento de que a proibição do relacionamento afetuoso entre empregados fora do ambiente do trabalho caracterizou dano moral, com ofensa do direito da personalidade humana, especialmente a intimidade e a vida privada. Após o trancamento do recurso de revista na origem, a empresa apresentou agravo de instrumento, que foi examinado pela 2ª Turma do TST. No entender do relator, ministro Renato Lacerda Paiva, o Regional deu o enquadramento exato do caso concreto à norma legal (artigos 186 e 927 do Código Civil). Ademais, qualquer modificação da decisão exigiria nova avaliação dos fatos e provas do processo, conduta vedada pela Súmula 126 do TST.
Na ausência de lei, vale o bom senso.
Mas o que diz a legislação brasileira sobre o assunto? Expressamente, não há lei que regule a matéria. A Constituição prevê o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, preceitos que balizam as relações e os julgamentos. Uma boa pitada de educação, respeito, profissionalismo, além de uma dose de bom senso também podem ajudar bastante. Esses ingredientes podem evitar problemas e constrangimentos para todos os envolvidos.
O que há é alguma jurisprudência sobre o tema, sendo majoritário o entendimento de que, em não havendo excessos ou condutas impróprias ao ambiente de trabalho, a justa causa não pode ser aplicada. Sobretudo não de imediato, sem penalidades gradativas, como advertências e suspensões, caso o trabalhador seja pego em atitudes pouco convenientes à imagem pública da empresa ou então que esteja negligenciando o trabalho em prol do romance no horário de serviço. Isto porque, a justa causa é a mais grave pena que pode sofrer o trabalhador, comprometendo toda a sua vida profissional, e, por isso, a conduta praticada deve ser grave o bastante para quebrar a confiança entre as partes, justificando a penalidade máxima.
Ou seja, a lição que se tira da jurisprudência do TST é a de que o simples namoro entre colegas de trabalho não deve ser proibido e não enseja a justa causa. Já o comportamento dos namorados no ambiente de trabalho pode ser disciplinado por regras internas e requer a análise de caso a caso para se saber se houve ou não excessos passíveis de punição. No fim, vale sempre mais a discrição, separando bem trabalho e namoro, para não haver problemas nem para a empresa e nem para os empregados enamorados.
Relacionamentos entre colegas na berlinda: casos julgados pelo TRT de Minas
Empregada engravida em relacionamento com colega e é obrigada a pedir demissão: rescisão inválida.
Uma trabalhadora alegou que teria sido obrigada pela rede de drogarias onde trabalhava a pedir demissão. Tudo porque namorava um colega de trabalho, seu atual companheiro e de quem esperava um filho. A reclamação foi examinada em 1º Grau pelo juiz Henrique de Souza Mota, na Vara do Trabalho de Ubá. Após avaliar as provas, ele acolheu o pedido de declaração da invalidade da rescisão contratual e condenou a ré a pagar indenização do período da estabilidade. Também deferiu outra indenização por entender que a conduta da empresa causou dano moral à trabalhadora.
A decisão se baseou na prova oral, segundo a qual a empresa adotava política de proibição de namoro entre funcionários. Ficou claro para o juiz que a reclamante pediu demissão por imposição da empresa, de modo a preservar o emprego do seu companheiro e pai de seu filho. O magistrado considerou que a política de proibição de namoro entre os funcionários extrapola os limite do poder empregatício (art. 2º da CLT), caracterizando abuso do poder regulamentar da empresa (art. 187 do CC). “A prática da empresa viola preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da vedação à discriminação e da função social da empresa (art. 1º, III; art. 3º, IV e art. 5º, XXIII; todos da CF) “, registrou.
Outro fundamento utilizado na decisão foi a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que veda qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho. A proibição também viola as disposições da Lei 9029/1995 e afronta diretamente o art. 373-A, II, da CLT, que veda a dispensa motivada em situação familiar ou estado de gravidez.
Ao julgar o recurso da ré, a Turma Recursal de Juiz de Fora deu provimento parcial, apenas para reduzir a indenização para R$ 1 mil. (Processo nº 01074-2014-078-03-00-2 – 04/11/2014).
Empresa pode recomendar que empregados não mantenham relacionamento amoroso entre si?
Em outro caso, uma empregada contou que namorava um funcionário de grande rede varejista, mas sem demonstrar a relação no local de trabalho. Num domingo à noite o casal foi visto pelo gerente da empresa e, já na segunda-feira, ambos foram advertidos de que não era permitido o namoro de funcionários. Isso resultou na proibição de se aproximarem durante a jornada de trabalho e ameaça de dispensa por justa causa, entre outros constrangimentos impostos ao casal. A versão da trabalhadora foi considerada verdadeira pelo juiz José Ricardo Dily, que julgou a reclamação na 1ª Vara do Trabalho de Barbacena. Ele se convenceu pela prova testemunhal de que a reclamada se posicionava no sentido de proibir o namoro entre os funcionários. “Nada há que justifique tais atos”, destacou. Reconhecendo que a ré violou a intimidade e a vida privada da reclamante, ofendendo-lhe a dignidade e o patrimônio ideal, o juiz decidiu condenar a empresa ao pagamento de indenização por dano moral.
Mas essa condenação foi excluída pela Turma Recursal de Juiz de Fora, com base no voto do desembargador relator Joao Bosco Pinto Lara, que entendeu não provada a alegada perseguição à empregada e assim se posicionou: “Evidente que a vida privada do empregado, fora das dependências da empresa, não diz respeito ao empregador, e jamais será possível a sua interferência em seus relacionamentos pessoais. No entanto, é perfeitamente lícita a exigência de que não haja demonstração e troca de afetos no local de trabalho, sem que haja aí qualquer abuso do poder diretivo”.
Na visão do desembargador, a mera recomendação aos empregados para que não mantenham relacionamento amoroso entre si não pode ser considerada ilegal, desde que a restrição seja apenas no âmbito interno da empresa. Ainda conforme avaliou, esta conduta também procura evitar problemas com eventuais brigas entre casais, gerando situação de desconforto para os eles próprios e outros colegas de trabalho. São fatores que podem interferir diretamente no andamento normal das rotinas de trabalho e afetar os objetivos empresariais. Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso para absolver a empresa da condenação ao pagamento de indenização por danos morais. (Processo 00311-2011-049-03-00-0, 25/11/2011).
Exigência de comunicação de envolvimentos sentimentais à chefia não é considerada discriminatória
E um trabalhador também pretendeu receber indenização por danos morais, alegando que sua dispensa teria sido motivada pelo fato de manter um relacionamento amoroso com uma colega de trabalho. Ele acusou a empresa varejista de adotar conduta discriminatória e inconstitucional ao controlar a vida sentimental de seus funcionários, exigindo que toda e qualquer relação sentimental fosse comunicada aos superiores.
Já a reclamada, em defesa, sustentou que a dispensa do reclamante não foi discriminatória, mas sem justa causa, em virtude de ele não ter atendido às expectativas da empresa. Explicou que a norma interna determina apenas que os envolvimentos sentimentais sejam comunicados aos superiores, não havendo qualquer cláusula que proíba o namoro entre funcionários.
Neste caso, prevaleceu a versão apontada pela empresa. Isto porque, na visão do juiz Camilo de Lelis Silva, que examinou o caso na Vara do Trabalho de Ituiutaba, a prova não demonstrou que a dispensa decorreu do fato de o reclamante namorar colega de trabalho. Ele considerou a prova frágil, uma vez que a testemunha arrolada pelo empregado apenas ouviu dizer que ele havia sido dispensado por conta de um relacionamento com outra colega de trabalho. Além disso, o próprio reclamante se referiu à existência a boatos.
Para o julgador, a mera existência de normativo interno solicitando que os funcionários comuniquem aos superiores sobre a existência de relacionamento afetivo entre empregados não caracteriza, por si só, violação à intimidade ou à honra. No seu entender, não ficou provado que a comunicação tivesse o intuito discriminatório, nem que era exigida apenas para que a empresa pudesse dispensar os empregados envolvidos. Tanto que a namorada do reclamante continuou trabalhando normalmente, havendo relatos de pessoas que também continuaram trabalhando na empresa mesmo possuindo envolvimento amoroso com outros colegas. “Não há como imputar-se qualquer responsabilidade à reclamada, ante a ausência de ato ilícito praticado por ela contra o reclamante, e que tenham resultado em danos morais”, concluiu, lembrando que a despedida de um trabalhador é um direito potestativo do empregador. Não houve recurso e a decisão transitou em julgado (Processo nº 0003058-56.2013.5.03.0063, sentença: 18/09/2013).
Beijo como cumprimento punido com rigor excessivo
Em 2011, uma decisão da 9ª Turma do TRT-MG confirmou a sentença que afastou a justa causa aplicada à empregada de uma empresa de segurança acusada de massagear os ombros de um colega e de beijar outro, no ambiente de trabalho. Na visão da empresa, o comportamento de sua ex-empregada caracteriza incontinência de conduta e mau procedimento. Para justificar a aplicação da penalidade máxima, a empresa juntou ao processo um vídeo que mostra as imagens da trabalhadora massageando e beijando os colegas.
No entanto, os julgadores acompanharam o entendimento expresso na sentença proferida pelo juiz Adriano Antônio Borges, na 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e concluíram que esse motivo é muito banal, sendo insuficiente para embasar a dispensa por justa causa. Conforme enfatizou o relator, desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, um simples cumprimento cordial e um mero toque no ombro não podem ser vistos como atitudes condenáveis, já que esses gestos são aceitos socialmente e não chegaram a causar qualquer prejuízo à empresa. Por isso, o relator concordou com as palavras do juiz sentenciante, quando este afirmou que é ridícula e digna de riso “a justa causa aplicada à autora, uma jovem mulher, 12 horas enclausurada numa sala, que não almoça, mas beija, porque a alma precisa mais de alimento que o corpo, pois o caminho para a transcendência dista mais que para a morte. Morte, aliás, que a reclamada sepultou ao coisificar a reclamante. Afinal, é mesmo estranho coisa beijar. Nisso a empresa tem razão”.
Na avaliação do relator, a empresa exagerou ao pretender encerrar por justa causa um contrato de trabalho que já durava quatro anos, manchando a trajetória profissional da empregada por causa de simples toque e beijo. Segundo o magistrado, caberia aí, no máximo, uma advertência. Portanto, a Turma negou provimento ao recurso da empresa, confirmando a sentença que anulou a justa causa, com a condenação da empresa ao pagamento das parcelas típicas da dispensa imotivada. (Processo nº 0000123-80.2011.5.03.0138, 05/01/2011).
Gravidez castigada e discriminada: ato abusivo e absurdo.
Também no ano de 2011, a 5ª Turma do TRT-MG analisou um caso que, nas palavras do próprio relator, o juiz convocado Hélder Vasconcelos Guimarães, “beira as raias do absurdo”. Uma empregada, sem problemas médicos, foi deslocada do seu antigo local de trabalho para a recepção, onde foi proibida de executar qualquer tarefa. O motivo? Simplesmente porque, sendo solteira, engravidou de um colega de trabalho, seu namorado. E ainda foi tachada como “sem vergonha” pela proprietária da empresa. Os julgadores consideraram a conduta da reclamada preconceituosa e fruto de uma inadmissível maledicência. Por isso, mantiveram a rescisão indireta do contrato de trabalho, declarada pelo juiz André Luiz Gonçalves Coimbra, na 1ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
O relator destacou que não existe norma proibindo relacionamento íntimo no ambiente de trabalho. O que não se aceita é que a ligação afetiva entre colegas traga prejuízos para o cumprimento das tarefas. Mas, nem de leve, houve prova desse acontecimento no processo. Mesmo porque a reclamante e o seu namorado trabalhavam em setores distintos da empresa. O namorado, após o ocorrido, foi dispensado. Já a trabalhadora, por estar grávida e não poder ser dispensada, passou pela situação humilhante e vexatória de ser deslocada de setor, para ficar no ócio, sendo tratada como “portadora da pior doença infecto-contagiosa existente”, ponderou o magistrado. Por tudo isso, o julgador deu provimento ao recurso da trabalhadora, para aumentar o valor da indenização por danos morais para R$ 10 mil. (Processo 0001815-74.2010.5.03.0001, 28/06/2011).
Comportamento indevido: motorista é flagrado por câmeras praticando ato libidinoso com mulher dentro do ônibus
Já o caso analisado pela 4ª Turma do TRT de Minas constitui um bom exemplo de comportamento que não se deve ter no ambiente profissional. Imagens gravadas em DVD mostraram o motorista e uma mulher dentro do ônibus em cenas de nítido caráter sexual, que ultrapassaram, em muito, simples beijos e abraços. Por conta disso, ele foi dispensado por justa causa pela empresa de transporte coletivo.
Inconformado, o trabalhador ajuizou reclamação trabalhista, pretendendo a reversão da medida, mas teve seu pedido rejeitado pela juíza Jaqueline Monteiro de Lima, titular da 43ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. A magistrada reprovou a conduta libidinosa adotada no ambiente de trabalho, considerando-a completamente inadequada, além de absolutamente incompatível com o respeito que merece o local de trabalho. Ela considerou a falta grave o suficiente para autorizar a dispensa por justa causa.
Em grau de recurso, o desembargador relator, Júlio Bernardo do Carmo, confirmou a justa causa. “O respeito ao ambiente de trabalho, mormente no que se refere à impossibilidade de utilização dos seus recintos para prática de atos íntimos, principalmente envolvendo terceiros, traduz dever do obreiro, inafastável por quaisquer das justificativas alegadas”, registrou, frisando que a atitude do motorista quebrou a relação de confiança que deve existir entre patrão e empregado, o que torna desnecessária a comprovação de efetivos prejuízos por parte da empresa. Reconhecendo que a ré agiu nos limites de seu poder diretivo e disciplinar, adotando a medida punitiva apropriada para a gravidade da falta cometida, negou provimento ao recurso e manteve a justa causa aplicada pela empresa. A Turma de julgadores acompanhou o voto. (Processo nº 00899-2014-181-03-00-0, 30/07/2014).