Tribunal de Minas Gerais nega vínculo de emprego entre motorista e a Uber

A Justiça do Trabalho de Minas Gerais entendeu que não existe vínculo de emprego entre um motorista e a Uber. Esta foi a primeira vez que um tribunal brasileiro discutiu a relação trabalhista dentro da prestadora de serviços.

O juiz substituto Filipe de Souza Sickert, da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), proferiu o entendimento ao negar ação movida por ex-motorista que solicitava o pagamento de horas extras, adicional noturno, remuneração de domingos e feriados trabalhados, além de férias proporcionais acrescidas do terço constitucional.

Para o sócio do Siqueira Castro Advogados, Giancarlo Borba, a decisão foi bem clara e fundamentada, razão pela qual dificilmente será reformada em segunda instância. “Esse processo vai receber os holofotes por ter sido o primeiro”, afirma.

Apesar disso, ele acredita que ainda é cedo para arriscar qual será a tendência do Judiciário em casos parecidos já em tramitação. “É um precedente importante, mas não necessariamente pautará o comportamento de outros juízes do trabalho”, avalia.

Na ação trabalhista, o motorista argumentou que não tinha total autonomia para o exercício de suas atividades profissionais e que o sistema implantado “não permitirá jamais uma remuneração justa pelo extenuante trabalho” desenvolvido.

Em resposta ao DCI, a Uber ressaltou que não presta serviços de transporte ou opera como transportadora. De acordo com a empresa, em nota por email, os motoristas são usuários da plataforma e não há “controle sobre o trabalho de seus parceiros”.

Esse argumento foi acolhido pelo juiz, que apontou serem “pressupostos para a caracterização de relação de emprego a pessoalidade, a subordinação jurídica, a onerosidade e a não eventualidade na prestação dos serviços”. Expressa a decisão que se a somatória de todos esses pressupostos não for comprovada, não há estabelecimento de vínculo.

Segundo o sócio do escritório Chagas Advocacia, Jailton Ribeiro Chagas, há muitos casos de empresas que tentam manipular a legislação trabalhista, escondendo uma subordinação que efetivamente existe, mas no caso do Uber, a questão é realmente mais nebulosa. “O serviço do aplicativo é a autorização para uso de uma plataforma, sendo mais difícil a comprovação de vínculo”, explica o especialista.

Apesar disso, Chagas acredita que a suposta autonomia dos motoristas do Uber poderá ser questionada judicialmente, servindo como um bom argumento para quem quiser comprovar o vínculo. “A Uber não impõe um número de horas para a pessoa trabalhar, mas se o motorista começar a rejeitar muitas chamadas, o aplicativo vai passá-las para outras pessoas. Então, na prática, quem vive de Uber acaba trabalhando de 10 a 11 horas por dia, tirando o caráter de eventualidade, já que a pessoa fica indisponível para prestar outros serviços”, comenta.

Controvérsia

O entendimento da Justiça do Trabalho de Minas Gerais foi diferente da jurisprudência internacional em casos relacionados ao aplicativo. Em 2016, a Justiça Trabalhista de Londres reconheceu o vínculo trabalhista de motoristas da Uber, destacando que eles não podem ser considerados trabalhadores autônomos e, portanto, têm todos os direitos assegurados. Já em 2015, houve decisão semelhante nos Estados Unidos, onde a empresa perdeu uma ação coletiva movida por três profissionais que queriam ser reconhecidos como funcionários, e não como prestadores de um serviço.

Giancarlo Borba observa que fez diferença no caso brasileiro a apresentação de provas pela defesa da Uber. “Verificou-se, por exemplo, que o motorista tinha tanta liberdade em relação aos seus horários que saiu de ‘férias’ sem informar ao aplicativo. Isso não existe para relações de emprego comuns”, disse.

A sentença mineira destaca ainda que o conjunto probatório revelou “ausência de subordinação do reclamante para com as reclamadas”, uma vez que não se verificou em momento algum que a Uber desse ordens ou dirigisse determinações ao motorista.

Por outro lado, o advogado da área trabalhista do Miguel Neto Advogados, Welton Guerra, afirma que mesmo com uma apresentação consistente de provas, a jurisprudência pode variar para ações parecidas. “Os princípios da subordinação e da não eventualidade são muito subjetivos. Então não tem como dizer que a Uber vai sempre ganhar”, acrescenta.

Um argumento passível de ser utilizado pelos defensores da tese do vínculo, de acordo com Guerra, é o de que o motorista poderá ser excluído da plataforma se não fizer um atendimento em conformidade com os “modos de comportamento recomendáveis” que a companhia prega.

Jailton Ribeiro Chagas comenta que esse processo na Justiça de Belo Horizonte foi o primeiro passo em direção à construção de uma jurisprudência que regule a atuação da Uber no Brasil. Na opinião dele, o assunto ainda vai correr em muitos tribunais pelo País antes de ser pacificado, e provavelmente exigirá a edição de uma Súmula pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

“A Uber ainda ser alvo de muitas sentenças”, acrescentou o especialista.

Ricardo Bomfim

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