Direito à desconexão está no radar da Justiça
O direito à desconexão vem sendo discutido no Brasil a exemplo do que ocorre em outros países. Segundo fontes, o tema está previsto na reforma trabalhista e já favoreceu trabalhadores em juízos recentes. Mas com o cenário político travado, o avanço das discussões pode ficar limitado.
A gestora de carreiras pela Fundação Getúlio Vargas, Andreia Deis, admite que uma mudança na lei dependeria de vontade do governo e do Congresso, algo que parece longe de acontecer.
Já o sócio da área trabalhista do Barbosa, Müssnich, Aragão Advogados (BMA), Luiz Marcelo Góis, lembra que dentro da proposta de reforma trabalhista existe uma discussão sobre facultar às negociações entre empresa e sindicato o trabalho remoto, mas faz a ressalva: “isso não é agenda política do governo federal”.
A legislação da França, por exemplo, permite que empresas com 50 ou mais funcionários negociem com sindicatos a maneira como serão utilizados e-mails e aplicativos como o WhatsApp fora do horário de trabalho. A lei é recente e foi consequência das reclamações de centrais sindicais de que as novas tecnologias aumentaram o trabalho não declarado.
“Uma Lei da Desconexão validaria o consentimento das pessoas. Ela ampararia que o trabalhador não pudesse sofrer represálias por não atender a uma chamada no WhatsApp ou não respondesse a um e-mail às 22 horas”, avalia a gestora de carreiras.
O Judiciário, por outro lado, já tem se movimentado na apreciação do tema. A 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro julgou em 2015 uma ação de um ex-funcionário de uma fabricante de celulares, que recebeu da empresa um aparelho móvel, que deveria permanecer ligado mesmo fora do horário de trabalho.
O desembargador Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, relator do caso, entendeu que o uso do celular impedia a fruição do direito a lazer e descanso pelo funcionário e condenou a empresa a pagar horas de sobreaviso equivalentes a um terço do salário mensal do empregado lesado.
A Súmula 428 também toca no tema, ao orientar que o empregado mantido em regime de plantão por meio de dispositivos “telemáticos” ou “informatizados” deve ser considerado em sobreaviso. Contudo, a Súmula não trata de contratos que não são de regime de plantão, mas que também não são considerados eventuais.
Para Góis, ainda não há uma fartura de precedentes de direito à desconexão no Brasil, mas ele vê boas chances do trabalhador ganhar uma ação sobre o tema com indenização por danos morais. “Os tribunais interpretam como um dano à integridade psicológica de um sujeito”, explica. Por esse motivo, o advogado acha importante que as firmas respeitem o direito à desconexão mesmo antes de qualquer legislação regulando o tema.
Mudança
Luiz Marcelo Góis acredita que a revolução tecnológica torna necessária uma atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele lembra que a legislação trabalhista brasileira foi redigida em meados da década de 1940, quando o trabalho era muito mais braçal e concentrado nas grandes indústrias, algo muito diferente da realidade do século XXI.
Já Andreia Deis observa que, em caso de determinação quanto a desconexão, será necessário conscientizar os funcionários para evitar abusos. Do contrário, ela alerta que pode haver um aumento substancial nos números de ações judiciais. “Vai ser uma mudança cultural. Na França houve um trabalho de anos para amparar a qualidade de vida”, acrescenta a especialista.
Algumas empresas já adotam o direito à desconexão como regra. A Volkswagen, por exemplo, desliga os seus servidores para que as pessoas não possam acessar seus serviços de casa. Na opinião de Góis, isso só mostra o quanto a Europa está mais madura do que o Brasil no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Ricardo Bomfim